28 economistas querem reavaliação do TGV, auto-estradas e aeroporto de Lisboa
In "PUBLICO.PT":
Estamos todos felizes. Portugal finalmente tem uns salvadores.
Como noutros locais democráticos, temos agora direito ao grupo dos sábios. Juntaram-se 28 POBRES homens, que se despiram de todo o luxo e querem ser líderes espirituais do povo.
Não demorem muito a reflectir, tá?
Actualização em 27-06-2009:
52 CONTRA 28: Combate entre economistas pelas grandes obras:
O economista José Reis divulga hoje o seu manifesto a favor do investimento
A favor do investimento público e contra as verdades absolutas dos economistas. José Reis, professor de Economia na Universidade de Coimbra e ex-secretário de Estado de Guterres na pasta do Ensino Superior, divulga hoje o seu manifesto a favor do investimento público como instrumento de política social de criação de emprego. Tal como i noticiou esta semana, esta é a primeira resposta ao manifesto avançado no passado sábado por 28 economistas e gestores, que pediram ao governo socialista que pare e repense os grandes projectos de obras públicas.
O documento proposto por este economista de Coimbra - "O debate deve ser centrado em prioridades: só com emprego se pode reconstruir a economia" - reúne 52 assinaturas de pessoas maioritariamente ligadas à economia, mas onde também aparecem sociólogos, psicólogos e engenheiros agrónomos. "Afastamos completamente a ideia de que os economistas são agora os juízes da pátria, que há um saber económico que se sobrepõe às decisões colectivas", explica ao i José Reis, em resposta ao manifesto dos 28, onde entram nomes como Eduardo Catroga, Miguel Cadilhe ou Silva Lopes.
André Freire, politólogo, professor do ISCTE e um dos subscritores do documento, acrescenta que "a economia não pode ser uma matéria reservada aos economistas". "Sou um defensor da chamada economia social, que é muito, muito importante neste cenário de crise que o país está a viver", afirma.
A irritação que o manifesto dos 28 causou em muitos economistas portugueses deve-se ao tom de certeza absoluta com que os seus princípios contra os investimentos públicos foram enunciados, explica José Reis. Ao i, os promotores de um segundo contramanifesto que está a ser preparado a favor das obras públicas - Luís Nazaré, António Mendonça e Brandão de Brito, todos do ISEG, em Lisboa - já tinham exposto a mesma linha de raciocínio: a economia não se derrama para calar políticas públicas, não há conhecimento económico imperativo.
À parte o estilo, a divergência de fundo deste manifesto de José Reis face ao dos 28 é clara: em fase de recessão, o problema central da economia portuguesa é o desemprego e não o endividamento externo e público. Reis calcula que a taxa de desemprego em dois dígitos (12% em 2010, prevê a OCDE) custa 21 mil milhões de euros por ano ao país, em capacidade de produção desperdiçada, mais despesa em protecção social. Perante isto - e com a queda livre das exportações e do consumo e investimento privados -, a saída é clara, argumenta este manifesto.
"Julgamos que não é possível neste momento enfrentar os problemas da economia portuguesa sem dar prioridade à resposta às dinâmicas recessivas de destruição de emprego. Esta intervenção, que passa pelo investimento público económica e socialmente útil, tem de se inscrever num movimento mais vasto de mudança das estruturas económicas que geraram a actual crise", aponta o documento.
O debate sobre as grandes obras públicas na área dos transportes - TGV, aeroporto e auto-estradas - tem dominado o debate político entre o governo de José Sócrates e o PSD de Manuela Ferreira Leite, com o manifesto dos 28 a dar força à posição laranja, falando da rentabilidade e "timing" duvidosos destes projectos. Este novo manifesto não se pronuncia directamente sobre obras específicas - para José Reis, um dos seus objectivos do manifesto que promove é repor na agenda política e pública a importância do investimento público, "que tem sido retratado como sendo nocivo e comportando um fardo para a sociedade". A maioria dos subscritores é a favor dos projectos em si, embora discorde de aspectos como o traçado do TGV ou a localização do aeroporto em Alcochete. Já o documento de Luís Nazaré - que surgirá na próxima semana - deverá incidir mais sobre os projectos e menos sobre a questão social, apurou o i.
Contra a necessidade de fazer mais estudos sobre a rentabilidade dos grandos grandes projectos, José Reis discorda - os estudos existem, há é que manter a decisão política. "Por outro lado não quero que um governo decida com base exclusiva em estudos de custo benefício, mas também em nome de outros valores, incomensuráveis [como o bem-estar social]", defende.
A escalada na guerra de argumentos entre economistas e académicos - uns mais liberais (os 28, embora a homogeneidade não impere), outros mais keynesianos - à volta das grandes obras públicas surge depois do governo ter recuado na primeira decisão que seria vinculativa para a construção da rede de alta velocidade. A primeira ordem, após a derrota nas eleições Europeias, era para manter as políticas e os processos de adjudicação em curso, apesar da exigência do PSD. Dias depois, o governo moderou o discurso e acabou por anunciar o adiamento da decisão no concurso que ia adjudicar em Julho o primeiro troço da rede de alta velocidade (TGV), entre Caia e Poceirão, da linha Lisboa/Madrid.
Grupo de académicos defende viragem à esquerda na política económica:
Depois de, a semana passada, um grupo de 28 economistas terem defendido que se parasse para pensar nalguns grandes projectos de obras públicas, agora é a vez de cerca de 60 académicos proporem políticas económicas à esquerda das seguidas nos últimos anos. Um ex-secretário de Estado num governo do PS, José Reis, e o líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, contam-se entre os subscritores
É o seguinte o texto integral do documento que recolheu seis dezenas de assinaturas de académicos de várias formações:
"O debate deve ser centrado em prioridades: só com emprego se pode reconstruir a economia"
Estamos a atravessar uma das mais severas crises económicas globais de sempre. Na sua origem está uma combinação letal de desigualdades, de especulação financeira, de mercados mal regulados e de escassa capacidade política. A contracção da procura é agora geral e o que parece racional para cada agente económico privado – como seja adiar investimentos porque o futuro é incerto, ou dificultar o acesso ao crédito, porque a confiança escasseia – tende a gerar um resultado global desastroso.
É por isso imprescindível definir claramente as prioridades. Em Portugal, como aliás por toda a Europa e por todo o mundo, o combate ao desemprego tem de ser o objectivo central da política económica. Uma taxa de desemprego de 10% é o sinal de uma economia falhada, que custa a Portugal cerca de 21 mil milhões de euros por ano – a capacidade de produção que é desperdiçada, mais a despesa em custos de protecção social. Em cada ano, perde-se assim mais do que o total das despesas previstas para todas as grandes obras públicas nos próximos quinze anos. O desemprego é o problema. Esquecer esta dimensão é obscurecer o essencial e subestimar gravemente os riscos de uma crise social dramática.
A crise global exige responsabilidade a todos os que intervêm na esfera pública. Assim, respondemos a esta ameaça de deflação e de depressão propondo um vigoroso estímulo contracíclico, coordenado à escala europeia e global, que só pode partir dos poderes públicos. Recusamos qualquer política de facilidade ou qualquer repetição dos erros anteriores. É necessária uma nova política económica e financeira.
Nesse sentido, para além da intervenção reguladora no sistema financeiro, a estratégia pública mais eficaz assenta numa política orçamental que assuma o papel positivo da despesa e sobretudo do investimento, única forma de garantir que a procura é dinamizada e que os impactos sociais desfavoráveis da crise são minimizados. Os recursos públicos devem ser prioritariamente canalizados para projectos com impactos favoráveis no emprego, no ambiente e no reforço da coesão territorial e social: reabilitação do parque habitacional, expansão da utilização de energias renováveis, modernização da rede eléctrica, projectos de investimento em infra-estruturas de transporte úteis, com destaque para a rede ferroviária, investimentos na protecção social que combatam a pobreza e que promovam a melhoria dos serviços públicos essenciais como saúde, justiça e educação.
Desta forma, os recursos públicos servirão não só para contrariar a quebra conjuntural da procura privada, mas também abrirão um caminho para o futuro: melhores infra-estruturas e capacidades humanas, um território mais coeso e competitivo, capaz de suportar iniciativas inovadoras na área da produção de bens transaccionáveis.
Dizemo-lo com clareza porque sabemos que as dúvidas, pertinentes ou não, acerca de alguns grandes projectos podem ser instrumentalizadas para defender que o investimento público nunca é mais do que um fardo incomportável que irá recair sobre as gerações vindouras. Trata-se naturalmente de uma opinião contestável e que reflecte uma escolha político-ideológica que ganharia em ser assumida como tal, em vez de se apresentar como uma sobranceira visão definitiva, destinada a impor à sociedade uma noção unilateral e pretensamente científica.Ao contrário dos que pretendem limitar as opções, e em nome do direito ao debate e à expressão do contraditório, parece-nos claro que as economias não podem sair espontaneamente da crise sem causar devastação económica e sofrimento social evitáveis e um lastro negativo de destruição das capacidades humanas, por via do desemprego e da fragmentação social. Consideramos que é precisamente em nome das gerações vindouras que temos de exigir um esforço internacional para sair da crise e desenvolver uma política de pleno emprego. Uma economia e uma sociedade estagnadas não serão, certamente, fonte de oportunidades futuras.
A pretexto dos desequilíbrios externos da economia portuguesa, dizem-nos que devemos esperar que a retoma venha de fora através de um aumento da procura dirigida às exportações. Propõe-se assim uma atitude passiva que corre o risco de se generalizar entre os governos, prolongando o colapso em curso das relações económicas internacionais, e mantendo em todo o caso a posição periférica da economia portuguesa.
Ora, é preciso não esquecer que as exportações de uns são sempre importações de outros. Por isso, temos de pensar sobre os nossos problemas no quadro europeu e global onde nos inserimos. A competitividade futura da economia portuguesa depende também da adopção, pelo menos à escala europeia, de mecanismos de correcção dos desequilíbrios comerciais sistemáticos de que temos sido vítimas.Julgamos que não é possível neste momento enfrentar os problemas da economia portuguesa sem dar prioridade à resposta às dinâmicas recessivas de destruição de emprego. Esta intervenção, que passa pelo investimento público económica e socialmente útil, tem de se inscrever num movimento mais vasto de mudança das estruturas económicas que geraram a actual crise. Para isso, é indispensável uma nova abordagem da restrição orçamental europeia que seja contracíclica e que promova a convergência regional.
O governo português deve então exigir uma resposta muito mais coordenada por parte da União Europeia e dar mostras de disponibilidade para participar no esforço colectivo. Isto vale tanto para as políticas destinadas a debelar a crise como para o esforço de regulação dos fluxos económicos que é imprescindível para que ela não se repita. Precisamos de mais Europa e menos passividade no combate à crise.
Por isso, como cidadãos de diversas sensibilidades, apelamos à opinião pública para que seja exigente na escolha de respostas a esta recessão, para evitar que o sofrimento social se prolongue.
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