quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Aversão ao risco e alergia à avaliação

In "Jornal de Negócios":

8025b61e A vitória na greve de ontem pode ser mais uma vitória na derrota do sistema centralizado de carreiras e na gestão do ensino secundário. O que falta para reformar o ensino é mais liberdade e não uma ditadura temporária da 5 de Outubro ou a ditadura do proletariado que tem vigorado e desgovernado a educação nas últimas décadas. A liberdade que falta é a liberdade de escolha dos pais e alunos.

É também a liberdade das escolas em seleccionar alunos e professores. É ainda a liberdade dos próprios professores que vivem no espartilho de programas, métodos e carreiras demasiado burocráticas. A ausência de liberdade é acompanhada pela desresponsabilização de todos, num sistema em que o país gasta mais do que a média europeia e do qual obtém sistematicamente resultados no fim da tabela.
A questão da avaliação é apenas uma das questões, mas é ilustrativa dos problemas existentes e da dificuldade de os resolver de forma centralizada. Um email de propaganda que recebi de um indignado professor anónimo é exemplificativo do estado do sistema actual. Descreve o curriculum do colega que o vai avaliar: "fez um bacharelato com média de 10 valores, um estágio com classificação de 11… Nunca exerceu nenhum cargo pedagógico, à excepção de director de turma… Nos últimos sete anos deu 84 faltas, algumas das quais para fazer 15 dias de férias na República Dominicana", afirma. Ouvi a vários outros colegas a mesma revolta face a serem avaliados por pessoas a quem não reconhecem competência.
Um facto referido no email, o de que o avaliador está quase no topo da carreira, passa sem críticas. É incrível que o actual sistema promova até aos mais elevados escalões pessoas com o curriculum e a atitude descritos. É preocupante que tantos professores manifestem tão pouca confiança nos colegas que os vão avaliar, mesmo se em geral são professores em topo de carreira. Isto mostra que o actual sistema é errado e injusto.
Sendo assim, porque é que os professores não querem ser avaliados?
Em qualquer profissão há sempre pessoas que sabem que provavelmente ficarão abaixo da média e por isso preferem não ser avaliados. Há também outras que estando próximas da média e sendo avessas ao risco, se puderem escolher, optam por esquemas de promoção por antiguidade, em vez de alternativas de promoção por mérito. A aversão ao risco pode determinar que mesmo profissionais que estão entre os 20% melhores tenham uma forte tendência a ser contra um processo de avaliação que não dê todas as garantias. Nenhum poderá dar, e por isso é natural que 80% de qualquer classe se una contra a imposição de qualquer processo de avaliação. Mais, mesmo os restantes 20% estarão divididos sobre qual o seu método preferido.
Os professores não são uma classe especial, que não quer ser avaliada. Pelo contrário, acredito que na maioria das classes profissionais seria fácil obter uma maioria de pessoas contra qualquer método de avaliação, em particular se fosse um método único e imposto de cima para baixo.
Então como foi possível introduzir métodos de avaliação noutras profissões? Por uma questão de competitividade. Em todas as áreas, há profissionais que ganham com uma carreira baseada na avaliação de mérito. As instituições que querem atrair estes profissionais têm de promover uma avaliação baseada no desempenho. As que não o fizerem, acabam por ficar sem os melhores profissionais e perdem competitividade. Como sair deste impasse?
A ideia de que só uma ditadura temporária permitiria fazer uma reforma que, de uma vez por todas, endireitasse o sistema, é em si uma ideia errada. Não há nenhuma resposta única que consiga solucionar todos problemas da educação, e ainda menos para todo o sempre. Não há em Portugal, como não há em Inglaterra ou em França. Os problemas são complexos e as soluções não podem ser centrais ou únicas. Terão de ser soluções diferentes, que diferenciem as capacidades e as necessidades dos vários alunos e escolas, e que apresentem respostas alternativas.
Mas para haver alternativas é necessário haver liberdade para as implementar e responsabilização, com a avaliação do sucesso ou fracasso das escolhas feitas.
A gestão do ensino secundário em Portugal não tem seguido estes princípios. Prevalecem soluções centralizadas, uniformizadas, em que as escolas não escolhem o seu projecto de ensino ou os seus professores. Os professores não escolhem para onde querem ir, e os alunos e os pais também não escolhem as escolas, nem são seleccionados, ficando todas as partes desresponsabilizadas. As más escolas não ficam sem alunos. Os maus professores não ficam sem escola. E os maus alunos não são conduzidos para escolas ou turmas piores. Falta liberdade e falta responsabilidade.
A versão dos professores e dos seus sindicatos é a de que a única responsável por todos estes problemas é a ministra da Educação. A culpa é do ministro! É a palavra de ordem há muito tempo. Esta posição é curiosa quando se verifica que o ensino é talvez a área de governação em que há maior captura do estado por uma classe. Há muitos anos e muitos ministros que os professores e os seus sindicatos governam de facto a educação. Foram os sindicatos que impuseram um modelo centralista, e que não querem que este mude, porque têm medo da autonomia. Que impuseram um sistema de promoção onde pessoas sem mérito podem chegar aos escalões mais altos, enquanto se queixam do desprestígio da carreira. Que impõem que nada mude, num sistema onde todos reconhecem que é importante mudar.
Se as escolas escolhessem os seus professores e houvesse uma avaliação das escolas com consequências nas escolhas dos país e dos alunos, a maioria dos estabelecimentos de ensino rapidamente criaria esquemas de avaliação, mais ou menos formais, que garantissem a atracção de bons professores e incentivassem os restantes a melhorar. Só assim garantiam a atracção de bons alunos.
Esta liberdade criaria a responsabilidade nos professores pela qualidade de ensino nas suas escolas. E nos pais que, se queriam manter os filhos em boas escolas, teriam de zelar para que estes se esforçassem e cumprissem. A vitória das manifestações e das greves pode levar a que esta seja a única solução viável. Nesse sentido seria uma vitória da liberdade. Uma liberdade que os sindicatos nunca quiseram.

Ver:  "Ser professor em Portugal"

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